terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Junho, o mês do gosto.



Houve uma noite no mês de junho. Uma noite como qualquer outra e uma noite única. A natureza em si delimitada pela natureza da memória.

Nessa noite única do mês de junho delimitada pela memória, havia um cheiro específico: de gás lacrimogênio. E havia três ruídos falando alto: tiros, camburões e risadas. As risadas, por destoarem tanto do contexto, soavam medonhas.

Mas os hilários homens do Choque não esperavam pela sutileza da liberdade - escondida no céu, na história, no pulsar incessante de tantos pulsos desconhecidos e ligados pelo desejo dela. Nem todas as tropas reunidas poderiam derrubar a ânsia incontrolável pelo direito de ser livre, pelo direito de ser parte da cidade. Um homem cai, mas a ideia permanece; "a cabeça sangra, mas não se curva".

Naqueles dias a Paulista não tinha luzes de natal. Os únicos brilhos no escuro vinham dos disparos e dos olhos viscerais de quem os encarava. Eu bem me lembro da meia dúzia de estudantes, de uns 19 ou 20 anos, com apenas uma faixa no peito indo de encontro à própria vontade. Eu bem me lembro dos gritos, dos desmaios, dos cavalos em desespero diante da estupidez humana.

Agora os bancos estão enfeitados e milhares de pessoas vêm e vão com seus carrinhos de bebê e todas essas ideias compradas das propagandas de panetone (mas junho não morreu). Agora as risadas são outras, a esperança parece um palhaço exposto em praça pública, fatigada com as burocracias familiares de entes que se detestam (mas junho não morreu).

Junho não morreu, reza a esperança. Ele está nas entrelinhas das faixas da avenida, à espreita para nascer de novo - com olhos nublados de sangue e cheios de vida.

"Meet the architects of law, face to face."